Era uma vez uma menina, que morava numa aldeia ali para os
arredores de Coimbra, quarta filha de um casal já na casa dos 50 anos.
Essa menina era muito à frente do seu tempo , mas as
necessidades no lar dessa menina obrigaram-na a ir trabalhar muito sedo, em vez de estudar como era do seu desejo. Primeiro para
uma fábrica de malhas, depois para uma pastelaria na distribuição, a entregar
pelas pastelarias, quer chovesse ou
fizesse sol, carregando tabuleiros à
cabeça a entregar a pastelaria pelos cafés da cidade de Coimbra.
Ela tinha pouco mais de dez anos quando recebeu o seu
primeiro salário, em 1968 era admitida na segurança social.
Essa menina cresceu num regime onde até fazer amizades, era
um atentado ao regime que governava o nosso pais e mais que duas pessoas a
conversar era considerada uma manifestação. Trabalhou entre informadores da
PID, a quem também se chamavam “ bufos”.
Essa mulher que quase não teve tempo para ser menina, acreditava
que um dia as coisas poderiam mudar, mas para isso era preciso lutar contra as
leis, desse regime ditador que limitava os horizontes do povo e do país, de
crescer e se desenvolver, mas acima de tudo isso era o castigo dado pela PID a
quem se atrevia a manifestar pensamentos ou opiniões contrários aos do governo.
Com a mala do carro cheia de latas de tinta e pincéis, ela e
mais alguns crédulos amigos iam pala calada da noite, gritando em silêncio nas
pinceladas com que escreviam as palavras contra a ditadura em desejos de
liberdade.
E um dia sentada num dos bancos que ladeiam a Praça da
Republica em Coimbra, quase que por instinto, correu também ao ver correr
outros jovens em direcção a lugares diferentes. Mas esqueceu os cadernos em
cima do dito banco. Ainda não tinha chegado ao colégio onde estudava, como
trabalhadora estudante, já lá estavam os senhores das gabardinas, com os meus cadernos
na mão.
E consequência dessa estúpida fuga, levaram-na com eles.
Foram horas e horas de perguntas para saber o motivo por que
ela correu. Baralharam-na com nomes de pessoas, querendo que ela admitisse que conhecia
alguns dos jovens envolvidos
naquele manifesto no dia tal ou
no lugar tal, cansaram-na e só não a massacraram mais porque conheciam o seu
apelido e aceitassem a versão que lhes foi contada, que por acaso era
verdade.
Ela viu correr pessoas e assustou-se e correu também, mas também
correu por força do hábito.
E quando eram quase horas de almoço, o pai chegou, para a
resgatar , mas antes de qualquer pergunta,
desapertou o cinto das calças e quando chega junto dela tira-o das presilhas
e atira-o dobrado uma e outra vez, contra o seu corpo, com os olhos rasos de
lágrimas, tendo sobre si os olhos fixos homenzinhos, daquela casa de terrores .
O pai bateu-lhe para a libertar e ela nunca esqueceu aquele
dia
Aconteceu no século passado, no mesmo ano em que aconteceu
Abril