Na Cidade de Bissau


Sentada a janela do toca toca, um  transporte partilhado por pessoas e animais, apinhado de gente seguia parando aqui e ali seguia até a cidade de Bissau. Um passeio diferente de tudo o que é possível imaginar, mas divertido ao mesmo tempo.
Dirigíamos-nos ao darling um super mercado com alguma variedade de produtos, importados, com os preços mais acessíveis e compatíveis com a qualidade.
Caminhando por entre carros, vendedeiras de frutas e verduras ao longo dos passeios ou do que resta deles, pus-me a imaginar como seria a Cidade num outro tempo, aquela avenida que vai da Praça do Império até ao Porto de Bissau e achei que deveria ter sido um lugar lindo, a ver pelo separador do meio e os passeios que ladeiam as duas fachas de rodagem onde me pus a adivinhar, nesse tempo as árvores cuidadas e os jardins cheios de flores no lugar onde agora são amontoados  de sacos plástico, latas e lixo
Senti a tristeza apertar-me o coração ao lembrar-me que um dia esta país foi português.
E fui caminhando reparando nas casas, mal cuidadas, abandonadas e algumas destruídas pela guerra, ao longo dessa avenida e fui sonhando no passado da cidade de Bissau e imaginei as pessoas passeando exibindo as suas melhor roupas ou apenas caminhando até ao porto para ver chagar algum navio.
Verdadeira  nostálgica até que ouvia a voz da Geane gritando,, ( desce da casinha da árvore Rosamaria), porque atravessei a rua e nem reparei que passei mesmo na frente dum carro..

Depois, enquanto a Geane tratava dum assunto seu no banco, eu e a Elisabete descemos a rua para avistar lá à frente o Porto de Bissau, com navios atracados, contentores amontoados e uma marginal com palmeiras com um muro largo onde me sentei somente para tirar uma fotografia sem respirar dizendo para mim mesma, se isto fosse limpo e tratado poderia ser um lugar paradisíaco e no entanto é uma lixeira que cheira mal e as ervas crescem envoltas em teias de arranhas. 
Depois de fazer as compras voltei e apeteceu-me escrever o que os meus olhos fotografaram, mas prendi-me na viagem de regresso dentro do toca toca e na cor negra dos passageiros e na minha pele branca. Como sorriam para mim aqueles olhos  lindos, que resplandeciam de felicidade naquele rostinho lindo ainda na idade da inocente.

Do sonho à realidade


Acordei no meio dum sonho que me desorientou no tempo e no espaço e levei algum tempo até identificar onde me encontrava. Levantei-me e olhei-me no espelho, mas não me vi, porque o meu olhar estava mais longe nalgum lugar do meu imaginário, que me faz lembrar de ti aqui em Guiné Bissau.
 Tu e eu chagamos a ser nós, um sonho que esteve ao nosso alcance e tinha-mos tudo para sermos felizes se não tivesses bebido o primeiro gole de álcool.
Acordei com as imagens do dia em que nos casamos e senti o meu corpo contrair-se pela dor que me causou essa lembrança, porque foi o dia mais lindo da minha vida, mesmo não tendo levado aquele ramos de rosas que eu tanto queria, mesmo não tendo vestido aquele vestido de noiva com o qual eu tanto sonhei, mesmo não tendo os convidados nem a família ao meu redor como qualquer noiva desejaria ter. Tu estavas lá, assumindo perante DEUS e as duas testemunhas que serias o companheiro, o amante e o amigo de todas as horas até ao fim das nossas vidas, juraste fidelidade, amor e respeito.
Que ilusão ao olhar para o meu dedo anelar e dizer-te tantas vezes que já és meu marido.
Mas traíste-me sem compaixão, sem pudor, sem vergonha. Entregaste-te ao prazer que te dava a garrafa enquanto esvaziavas o seu líquido. Traíste-me quando escondias as garrafas vazias e cheias dentro da chaminé da lareira, quando ficavas as horas da minha folga ao telefone a conversar com aquela mulher que eu nunca conheci.
Traíste-me quando debaixo do arco da camara da cidade onde estas agora, te vi aos beijos aquela mulher a quem escreves-te aquela carta que guardo para que não digas que fui eu que inventei. Traíste-me quando eu procurava o teu abraço e os teus braços se negavam a abraçar-me. Traíste-me quando nos teus sonhos chamavas pelo nome da maria com palavras de amor.
Traíste-me naquela noite de natal quando na varanda da casa do teu irmão falavas ao telefone usando palavras de amor, quando tudo e todos estavam ali ao teu lado.
Traíste-me no dia em que sais-te de casa, para fazer o programa de radio na cidade onde agora moras, e eu tive que ligar para ti e de lá me disseram que há muito tempo que tu não colaboravas no programa.
Traíste-me quando sabias que eras o meu primeiro e ultimo pensamento, que eras o meu sol e o meu oxigénio.
Procurei-te em todo o tempo e no limite das minhas forças pedi o divórcio, com a ilusão, de que o sentias por mim ainda era forte o suficiente para  te negares a assinares aquele papel e me pedias perdão por teres traído o meu amor. Mas assinaste  e ainda me ajudas-te a fazer a minha assinatura 
Durante muitos anos não conseguia lembrar-me desse dia, mas hoje aqui bem dentro do meu imaginário sei que sofri até não aguentar mais, que o mundo me engoliu, mastigou e vomitou. Que a vida deixou de fazer sentido e que morrer era a única solução e meu coração gritou dia e noite a mesma frase durante anos, eu não merecia.
Foi difícil encontrar o trilho para recomeçar a viver sem ti, sem os filhos que não pari mas que aprendi a amar, sem a família que eu adoptei como minha, mas que era a tua família.
Escrevi mensagens sem fim durante muitos anos para o teu telemóvel, chorei durante muito tempo e hoje voltei a chorar, porque acordei num sonho que me fez recordar o dia em que nós voltamos a ser eu e tu, separados pelas escolhas que fizeste naquele dia em que bebeste.
Aqui neste país onde o, nada é uma riqueza, despida de tudo e longe da minha zona de conforto, eu voo no tempo e nas histórias que me contavas e nas fotos que vi dos lugares onde estiveste para te encontrar no passado, porque tu não tens presente dentro desse meu imaginário quando sonho acordada.

Hoje

Abri a janela daquele que é neste momento o meu quarto e espreitei para longe, acompanhada pelos som de risos, gritos e choros, das crianças, que brincam aqui por debaixo da minha janela e pássaros a cantar, nas árvores parecendo uma majestosa sinfonia tocando só para mim,  neste lugar tão distante, tão longe do conforto da minha casa e das pessoas que amo.
Meus olhos transbordaram de lágrimas ao ouvir som dos cânticos vindos do refeitório do orfanato onde as crianças dão graças a DEUS cantando pela comida que tem no prato.
Um pássaro desperta-me a atenção ao mexer-se por entre a ramagem da árvore diante da minha janela, lindo coberto de penas azuis, que me olha curioso, mas que eu reconheci de imediato, como sendo aquele um dos vizinhos que chilreiam durante a noite e me acordam com os seus pius, parecendo que discutem pelo lugar no raminho que lhes serve de poleiro.
E mais pássaros esvoaçam bem perto da minha janela, de cores lindas, pequeninos e maiores, de varias cores, com penas avermelhadas e amarelo fogo lindos, saltando de ramo em ramo, diante dos meus olhos e cantam cada um com a sua melodia uma mais linda que a outra, fazendo-me explodir de emoções e sentir a saudade invadir o meu coração.
Saudades, que eu já tinha saudades de ter saudades.
Porque foi aqui que me encontrei em 2010, aqui renasci para a vida e esqueci de me lamentar, de ter pena de mim, e  como criança que perde o medo eu dei os primeiros passos em direcção ao futuro que DEUS preparou para mim quando eu desisti de viver.
Respirei fundo e senti esta alegria inexplicável junto da minha saudade, invadindo o meu coração de prazer por estar aqui neste lugar ajudando com o pouco  do meu saber. desejando que este contribua  para que as mulheres desta nação possam ser acarinhadas e bem tratadas na hora dos seus filhos nascerem.
Nada acontece por acaso na vida de ninguém.
Eu tinha que vir aqui  e  voltar depois e quem sabe se voltar ainda mais vezes ,mas para isso , primeiro chorei e sofri e para aprender a ser forte, "Aquilo que não nos mata, torna-nos mais fortes." -Friedrich Wilhelm Nietzsche